Os segredos e revelações da fotogrametria

Professor e doutor em Fotogrametria Daniel Carneiro da Silva

A transformação da fotogrametria e os avanços das técnicas, desde seu desenvolvimento durante a 2ª Guerra Mundial, assim como o vasto mercado que se abriu a partir do uso das novas tecnologias e apoio com os Veículos Não Tripulados (Vants) ou simplesmente drones trazem para os profissionais um desafio a mais do que simplesmente lidar com a inovação. A busca pela precisão ou acurácia dos dados captados em quaisquer das tecnologias executadas deve ser a máxima, sendo assim são necessários outros conhecimentos, além de apertar botões, para planejar e gerar outros dados que possam garantir o que se quer. Essa e outras revelações podem ser conferidas nessa entrevista com o professor e engenheiro civil Daniel Carneiro da Silva, especialista com mestrado e doutorado em Ciências Geodésicas, na área de fotogrametria, pela UFPR, em 1994 e 2001, respectivamente.

GeoSensori – Como o senhor avalia as mudanças ocorridas na fotogrametria?

Daniel Carneiro – A fotogrametria desenvolveu-se enormemente para aplicações militares durante a 2ª Guerra, devido à capacidade de mapear grandes áreas em tempo curto. E foi esse reforço militar que permitiu seu desenvolvimento tecnológico, haja vista que todo o processo, da aquisição das fotografias até o mapa final, envolve equipamentos de altíssimo custo: aeronave, câmera fotogramétrica (câmera especial, normalmente de grande formato para filme com largura de 22cm, com toda tecnologia de ponta em óptica), equipamentos de conversão das feições das fotografias para os traços dos mapas (conhecidos como restituidores estereoscópicos), equipamentos geodésicos para levantamento em campo das coordenadas de pontos essenciais para garantir a precisão do mosaico montado com a grande quantidade de fotografias (até centenas delas) e finalmente os equipamentos para a edição e preparação do mapa final. Essas fases de processamento foram sendo atualizadas ao longo dos anos com o desenvolvimento tecnológico.

GeoSensori – Que mecanismos básicos constituem a fotogrametria?

Daniel Carneiro – É importante salientar aqui o princípio básico em que se desenvolveu a fotogrametria. Ela usa o princípio da estereoscopia, que é a possibilidade de recompor a visão tridimensional de um objeto, ou de uma tomada aérea, a partir de um par de fotografias bidimensional adquiridas com certa sobreposição, e com ajuda de um dispositivo de auxílio como um estereoscópio ou óculos. (No cinema 3D, antes de colocar os óculos especiais, a imagem aparece borrada porque na verdade estão sendo visualizadas duas imagens ao mesmo tempo, uma sobre a outra. Quando se colocam os óculos, cada olho vê apenas uma imagem, então cessa o borrado e se tem a impressão do 3D).

GeoSensori – Quais os tipos de fotogrametria?


Daniel Carneiro – Do ponto de vista tecnológico a fotogrametria pode ser analógica, analítica, digital. Na primeira, todos os equipamentos eram analógicos, câmeras e restituidores. Os restituidores, ou estéreo-restituidores, tinham a capacidade de recompor a visão estereoscópica, e eram equipamentos ótico-mecânicos bem pesados, com até centenas de quilogramas, mas com altíssima mecânica de precisão e óptica refinada, característica essa que nos últimos equipamentos construídos chegavam a medir até o micrômetro (milésimo de milímetro). Com o surgimento dos computadores nos anos de 1980 foram desenvolvidos intensamente os cálculos analíticos, de modo que o processamento baseado na estereoscopia pura começou a diminuir paulatinamente. Nessa fase as fotografias ainda eram analógicas, em filme, e os restituidores eram controlados pelo computador com o mínimo de partes mecânicas.

GeoSensori – E a digital?

Daniel Carneiro – Nos anos de 1990, começou a era digital, e no começo dos anos 2000 foram lançadas no mercado as primeiras câmeras fotogramétricas digitais. A ênfase agora passou a ser o objetivo de substituição da cara e demorada mão de obra, por processos automatizados, usando processamentos avançados de combinação de imagens. A fotogrametria digital enfrentou algumas dificuldades operacionais no início. As fotografias digitais iniciais não tinham a mesma qualidade em detalhes, que a analógica, os arquivos digitais eram muito grandes para os computadores da época, as câmeras eram muito caras e os computadores e monitores tinha que ter configuração de alto custo, e os processamentos automatizados deixavam a desejar.  

GeoSensori – O que fez a fotogrametria digital atingir sua precisão?

Daniel Carneiro da Silva – Também no começo dos anos 2000 foram lançados os sistemas de LiDAR (Light Detection And Ranging) aerotransportados que permitiram obter enorme massa de dados (nuvem de pontos) de medições da superfície do terreno, e que passou a competir com a aerofotogrametria, tanto por ter excelente precisão, como por fornecer os resultados rapidamente, mesmo não mostrando as feições do terreno como num produto fotogramétrico. Na verdade as empresas do setor passaram a usar as vantagens de cada tecnologia: os pontos do LiDAR para o modelo 3D do terreno e as imagens da fotogrametria para dar a textura sobre aquele modelo 3D. No final de todo o processo, ou de partes dele, com apenas fotogrametria ou misto com o LiDAR, podem ser entregues ao cliente: Modelos Digitais do Terreno, sob várias formas incluindo o tradicional mapa com curvas de nível, mosaico de fotografias orto retificadas, seja como mosaicos em si ou ortofotocartas; ou ainda os mapas com traços (linhas, áreas, desenhos de convenções cartográficas).

GeoSensori –  O que mudou? 

Daniel Carneiro – Além da evolução resumidamente explanada acima a fotogrametria passou a contar com nova plataforma de aquisição de fotografias com os drones e com os métodos desenvolvidos pela Visão Computacional. Então agora já está sendo comum encontrar-se o termo “Fotogrametria SfM (Structure from Motion)” embora a comunidade fotogramétrica ainda resista a essa nomenclatura.

GeoSensori- Qual a diferença entre fotogrametria digital “pura” e a SfM?

Daniel Carneiro – A fotogrametria digital desenvolveu suas fórmulas de recuperar a informação 3D a partir de pontos medidos em duas fotografias com base na chamada equação da colinearidade, enquanto na SfM são usadas as chamadas matrizes essenciais e fundamentais. Curiosamente a Sfm em outras fases de processamento usa o chamado mapa de profundidade (Depth Map) que nada mais é que um mapa com as paralaxes que eram usadas na fotogrametria analógica. Existem outras operações da SfM que são similares à fotogrametria, mas com outros nomes e que mudam entre os vários softwares existentes no mercado.

GeoSensori – O senhor poderia nos explicar como se dá cada etapa?

Daniel Carneiro – Na primeira o ajustamento do bloco completo, etapa chamada de aero ou de fototriangulação, realizado com todas as fotografias adquiridas era realizado apenas com a introdução dos pontos de apoio de campo, ou com injunções do centro da câmera, se obtido com GPS durante o vôo. No SfM o ajustamento é todo realizado sem esse apoio, e apenas ao final, se disponíveis, é que entram os pontos ou os centros conhecidos das fotografias.

3D

A primeira começou a aplicar nos processamentos automatizados, para identificação dos pontos necessários, tanto para a formação 3D de apenas um par de fotografias, quanto para todo o bloco de aerotriangulação, os métodos existentes nas áreas de processamento de imagens, conhecidos como correlação, combinação ou correspondência de pontos homólogos, comuns da visão de computador. Só que esses métodos apresentaram desempenho computacional muito baixo e resultados nem sempre satisfatórios. Foi quando surgiu em 2004 o método SIFT (Scale Invariant Feature Transform) que resolvia vários problemas dos outros métodos, como diferenças de rotação, de escala e de cores entre duas fotografias.

SIFT

O SIFT passou a ser intensamente aplicado pela comunidade de Visão Computacional nas mais variadas aplicações da robótica incluindo a recuperação de informações 3D de objetos e do terreno, e claro, pelo pessoal das aplicações em mapeamento, ou seja também pelos fotogrametristas. O SIFT e outros processamentos do SfM são a base da grande maioria dos softwares que processam imagens de drones.

Uma observação importante quanto aos métodos do SfM é que como foram concebidos para grande eficiência no mosaico automático e formação 3D, pecam na menor importância que dão às questões de precisão dos resultados, seja nos relatórios com poucas informações, seja no pouco controle do operador, principalmente quando ocorrem erros que o próprio programa não consegue resolver e param de processar.

GeoSensori – Quais seriam os resultados obtidos?

Daniel Carneiro –  O resultado importante da fotogrametria com SfM foi a abertura para profissionais não fotogrametristas, porque se tornou possível praticar a fotogrametria com equipamentos de baixíssimo custo com câmeras digitais comuns e aquisição com drones, e com resultados muito rápidos devido à alta automatização do processamento desde a entrada das fotografias ao produto final, em Nuvem de Pontos, MDT ou mosaico ortorretificado.

GeoSensori – Quais os riscos que os profissionais podem ter a partir do uso da tecnologia?

Daniel Carneiro –  Como a tecnologia tornou tudo muito barato e fácil de usar o mapeamento a partir de drones tem sido praticado por todo tipo de profissional, com conhecimentos técnicos na área de cartografia, geodésia e topografia, ou não. O risco de um cliente não ter o produto com a qualidade desejada é muito grande. Como visto acima toda essa metodologia não fornece claramente os próprios indicadores de qualidade, seja em precisão ou acurácia, sendo assim são necessários outros conhecimentos, além de apertar botões, para planejar e gerar outros dados que possam garantir o que se quer. Essa parte de análise de qualidade e precisão é das mais complexas na fotogrametria, de um lado porque envolve estatística avançada e do outro porque as normas oficiais são incompletas ou não existem. São inegáveis, porém, que as facilidades dessa tecnologia abrem campo de trabalho para muitas aplicações, em que antes seria muito dispendioso usá-la.

GeoSensori – O senhor diria que a fotogrametria a partir dos drones tem assertividade maior que a praticada no modo tradicional?

Daniel Carneiro – A fotogrametria com drones é muito rápida, muito indicada para áreas pequenas de poucos quilômetros quadrados, mas para ter a qualidade e precisão da fotogrametria tradicional são necessários certos cuidados e conhecimentos.

GeoSensori – Quais as oportunidades para este mercado no Brasil e em Pernambuco?

Daniel Carneiro-  O mercado que se abre aqui é vasto, porque além do mapeamento comum, existem aplicações especializadas para agricultura (apoio à agricultura de precisão, controle de pragas, etc), monitoramento de obras civis, monitoramento de estruturas de difícil acesso, em mineração para o controle de desmontes e descarte, no levantamento de fachadas de prédios históricos, etc. Como existem restrições legais para uso de drone em áreas urbanas isso prejudica muitas aplicações. Vamos esperar que essas normas sejam aperfeiçoadas. De qualquer forma a tecnologia está aí, ela será usada mais e mais. Na minha visão de mercado avalio que uma empresa que trabalhe com esse tipo de mapeamento deve se habilitar para trabalhar em todo o Brasil porque apenas Pernambuco não tem demanda que dê o retorno necessário para manter uma equipe altamente preparada.

GeoSensori – A fotogrametria ainda é pouco utilizada em algumas áreas como a construção civil, e áreas afins. Como o senhor pontuaria avanços e perspectivas para essa área no futuro, com o uso da fotogrametria?

Daniel Carneiro – A fotogrametria com SfM ainda precisa de melhorias nas ferramentas de análise de qualidade mas acho que é só questão de tempo para esse ponto ser aperfeiçoado. Para os profissionais que conhecem a fotogrametria tradicional não é difícil controlar a qualidade

GeoSensori –Com sua vasta expertise, o que diria aos estudantes e jovens profissionais fotogrametristas? Como se atualizarem, a partir de uma constante evolução dia a dia da ciência?

Daniel Carneiro – A fotogrametria é disciplina apenas dos cursos de engenharia cartográfica e de agrimensura e que conheça não faz parte da grade curricular de nenhum curso médio, mas para atuar na fotogrametria com drones são necessários os pilotos, que precisam de habilitação para certas categorias de aeronaves. Outra área de atuação para o nível médio é a edição gráfica dos produtos a serem entregues, em que são necessários vários ajustes, como nas linhas de emendas, diferenças de tonalidade, cortes das folhas, colocação da malha de coordenadas, etc.


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